– “Deixamos claro que estamos prontos para falar sobre a mudança de um cenário militar ou de um cenário técnico-militar para um processo político que irá realmente reforçar a segurança militar… de todos os países do espaço OCSE, euro-atlântico e euro-asiático. Dissemos-lhes que se isso não resultar, criaremos contra-ameaças; então será demasiado tarde para nos perguntar por que razão tomámos tais decisões e posicionámos tais sistemas de armamento”. Aleksandr Grushko, vice-ministro dos Negócios Estrangeiros russo citado pela TASS
Patrick Armstrong [*]
O incêndio da Casa Branca e do Capitólio ateado pelas tropas britânicas em 1814.
Moscou emitiu um ultimato aos EUA/NATO. É o seguinte: negociar seriamente sobre as questões apresentadas aqui e aqui. Algumas delas não são negociáveis.
Os ultimatos têm sempre a cláusula “Ou então” (“Or Else”). O que é, neste caso, a cláusula “ou então”? Não sei, mas tenho estado a pensar e a ler os pensamentos de outras pessoas e alinho algumas ideias/conjecturas/suposições. Estão na ordem em que me ocorreram. Quer Moscovo tenha ou não uma lista assim à sua frente, tem certamente muitas “contra-ameaças” que pode utilizar.
Porquê agora? Duas respostas possíveis, cada uma das quais pode ser verdadeira. Há anos que os EUA/NATO usam “tácticas de salame” contra a Rússia; Moscovo decidiu que uma segunda crise na Ucrânia num ano é demais. Segundo: Moscovo pode julgar que, diante do declínio precipitado dos EUA, esta será a última possibilidade de haver ali autoridade central suficiente para formar um acordo genuíno; um acordo que evitará uma guerra catastrófica. (A chamada armadilha de Tucídides).
É claro que não sei o que Putin & Co farão e temos de ter em conta a existência de um novo ator internacional: Putin, Xi e parceiros. Xi acaba de deixar claro que Pequim apoia os “interesses centrais” de Moscovo. É provável que quaisquer “contra-ameaças” serão coordenadas. Os chacais responderam como esperado, mas talvez (esperemos que sim) Washington os estejam a levar mais a sério.
Outros comentários cujo leitura penso valer a pena: Martyanov, Bernhard, Saker, Doctorow. Os media ocidentais não valem nada como fonte de pensamento independente (cliché da BBC – reforçado por citação adulterada) mas talvez o Washington Post mostre que o vento começa a soprar de um ângulo diferente: “A Guerra Fria acabou. Porque é que ainda tratamos a Rússia como o Império Maléfico?”
Para os meus leitores do CSIS: o mundo está num ponto de inflexão grave e é melhor que o Ocidente concentre a sua atenção. Moscovo e Pequim não dependem de mim para conselhos e eu não estou a falar para eles: considere isto como uma das notas de informação que eu costumava escrever. Moscovo é séria e tem verdadeiras “contra-ameaças”.
MEDIDAS MILITARES
Moscovo poderia publicar uma lista de alvos nos países da NATO que podem e serão atingidos por armas nucleares ou não nucleares em caso de hostilidades. Estes incluiriam provavelmente quartéis-generais, bases aéreas, instalações portuárias, instalações logísticas, depósitos de munições, bases militares, fábricas de munições e assim por diante.
Moscovo poderia estacionar mísseis nucleares de médio e curto alcance em Kaliningrado e na Bielorrússia. Nesta última é preciso o acordo de Minsk, mas o Presidente Lukashenko da Bielorrússia tem dado a entender que o mesmo será concedido. Moscovo poderia então deixar bem claro que os mísseis se destinam a alvos da NATO.
Moscovo poderia estacionar Iskanders e ter muitos aviões no ar com Kinzhals e fazer saber que estão dirigidos a alvos da OTAN..
Moscovo poderia fazer um ataque repentino com armas de reserva e forças especiais que destruam o Batalhão Azov na Ucrânia Oriental. Moscovo teria duas vantagens: 1) eliminaria a principal ameaça às LDNR e 2) mudaria a correlação de forças em Kiev. Seria também uma demonstração ao vivo do tremendo poder militar da Rússia.
Moscovo poderia recordar ao Ocidente o significado da observação do marechal soviético Ogarkov de que as armas de precisão tornaram, até certo ponto, as armas nucleares obsoletas. Uma observação presciente, bem à frente do seu tempo há 35 anos atrás, mas realizada agora pelo arsenal russo de mísseis de precisão hipersónicos.
A Marinha russa opera os submarinos mais silenciosos do mundo; Moscovo poderia fazer e publicar um filme sobre os movimentos de alguns navios da NATO, tal como vistos através do periscópio.
Acredito (suspeito/imagino) que as Forças Armadas russas têm a capacidade de cegar navios equipados com Aegis. Moscou poderia fazê-lo em público de uma forma que não pudesse ser negada. Sem o Aegis, a marinha de superfície dos EUA é apenas um alvo. Objecção: isto é um segredo de guerra e não deve ser usado de ânimo leve. A menos, claro, que as Forças Armadas russas tenham algo ainda mais eficaz.
Moscovo poderia formar mais forças de choque como o First Guards Tank Army.
A Rússia tem forças aerotransportadas grandes e muito poderosas – muito mais fortes do que a infantaria ligeira de outros países, elas são capazes de tomar e manter território contra todos os ataques armados, exceto os pesados. E estão a ser aumentadas. Moscovo poderia demonstrar a sua capacidade num exercício que mostrasse uma súbita captura de instalações inimigas chave, como um porto ou um grande aeródromo, convidando representantes da OTAN a vigiar a partir da zona alvo.
As Forças Armadas russas poderiam fazer algum apontamento óbvio ao elemento seguinte da NATO que se aproximasse das fronteiras da Rússia; poderiam agressivamente assinalar navios e aviões que se aproximassem demasiado e publicitar o facto.
Moscovo poderia fazer uma demonstração pública do que os Poseidons podem fazer e mostrar de modo convincente que estão no mar ao largo da costa dos EUA. Idem com Burevestnik. Em suma, Moscovo poderia ameaçar diretamente o continente americano com armas não nucleares. Algo que ninguém foi capaz de fazer desde 1814. [NR]
Moscovo poderia revelar algumas novas armas admiráveis (algumas foram reveladas esta semana: super torpedo, Okhotnik para lançar Munição Guiada de Precisão (PGM), Veículos Remotamente Pilotado (RPV) para abater helicóptero-alvo).
O sistema de mísseis Club-K Container existirá realmente? (Se sim, Moscovo poderia fazer uma demonstração pública, se não fingir que existe). Seja como for, Moscovo poderia afirmar publicamente que os mesmos estarão em todo o lado e vendê-los a países ameaçados pelos EUA/NATO.
MEDIDAS DIPLOMÁTICAS/INTERNACIONAIS
Moscou poderia transferir publicamente algumas tecnologias militares chave para a China com licença para as construir naquele país.
Moscou poderia fazer um tratado militar formal com a China com uma disposição tipo “Artigo 5º”.
Moscou poderia fazer um tratado militar formal com a Bielorrússia, incluindo o estacionamento de forças de ataque significativas.
Moscou poderia estacionar forças nos vizinhos da Ásia Central.
Navios de guerra da Rússia e chineses, acompanhados por aviões de longo alcance, poderiam fazer um cruzeiro de “liberdade de navegação” no Golfo do México.
Moscou poderia chamar embaixadores, reduzir missões estrangeiras, restringir o movimento de diplomatas na Rússia.
Moscou poderia proibir imediatamente todas as ONG estrangeiras sem terem de passar pelo atual processo.
Moscou poderia influenciar a Turquia, Hungria e outros membros dissidentes da UE/OTAN.
Moscou poderia prestar ajuda militar ou estacionar armas em países do Hemisfério Ocidental.
MEDIDAS ECONÓMICAS
Moscou poderia fechar o espaço aéreo às companhias aéreas civis dos países que sancionam a Rússia.
Moscou poderia declarar que as exportações russas devem agora ser pagas em Rublos, ouro, Renminbi ou Euros (Euros? Depende).
Moscou poderia anunciar que a Nord Stream 2 será abandonado se a certificação for adiada para além de uma determinada data. (Pessoalmente, divirto-me com a quantidade de pessoas que pensam que fechá-lo causaria mais danos à Rússia do que à Alemanha: para a primeira é apenas dinheiro e a Rússia está cheia disso; para a segunda….)
Moscou poderia parar todas as vendas de qualquer coisa para os EUA (especialmente motores de foguetes e petróleo).
Moscou poderia anunciar que não seriam feitos mais contratos de gás aos países que o sancionam, após o fim dos atuais. Este é um primeiro passo. Ver abaixo.
Como segundo e mais severo passo, Moscovo poderia romper todos os contratos com países que sancionam a Rússia, com base na existência de um estado de hostilidade. Ou seja, todas as entregas de petróleo e gás cessam imediatamente.
Moscou poderia anunciar que não despachará mais gás para a Ucrânia ou através dela com o argumento de que existe um estado de hostilidade.
A Rússia e a China poderiam lançar o seu contra-SWIFT o mais rapidamente possível.
MEDIDAS SUBVERSIVAS
Moscou poderia criar perturbações na Ucrânia oriental (Novorossiya), apoiando os movimentos de secessão.
Moscou poderia ordenar que forças especiais atacassem organizações nazis chave por toda a Ucrânia.
Moscou poderia ordenar que forças especiais atacassem instalações militares por toda a Ucrânia.
Mas estou certo de que quaisquer que sejam as “contra-ameaças” que Moscovo apresente, serão poderosas e surpreenderão o Ocidente. A minha recomendação é que os EUA/NATO levem a sério os ultimatos.
Afinal de contas, as propostas russas são realmente mutuamente benéficas – o seu princípio é que ninguém deveria ameaçar ninguém e se alguém se sentisse ameaçado, deveria haver conversações sérias para resolver a questão.
A segurança é mútua:
se todos se sentirem seguros, então todos estão seguros;
se alguém se sentir inseguro, então ninguém está seguro.
Tal como vemos agora: quando a Rússia se sente ameaçada pelo que os EUA/NATO fazem, pode ameaçar em represália. É melhor viver num mundo em que ninguém está a ameaçar ninguém e em que todos se sentem seguros.
George Kennan previu isto há um quarto de século:
“Penso que os russos reagirão gradualmente de forma bastante adversa e isto afetará as suas políticas. Penso que se trata de um erro trágico. Não havia qualquer razão para isto. Ninguém estava a ameaçar mais ninguém”.
[NR] Em 1814 o Exército britânico ocupou a capital dos EUA e incendiou a Casa Branca, o Capitólio e outros edifícios.
[*] Diplomata, canadense.
O original encontra-se em https://patrickarmstrong.ca/2021/12/21/weve-seen-the-ultimatum-what-is-the-or-else/
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