Caracas (Prensa Latina) “Não vamos sair daqui, que nosso presidente volte!” gritou o enfurecido povo venezuelano na manhã de 13 de abril de 2002 do lado de fora do Palácio Miraflores (sede do poder executivo).
Yadira Cruz Valera
Correspondente da Prensa Latina na Venezuela
Após dois dias de confrontos, prisões arbitrárias de deputados e líderes revolucionários, falsas notícias e incertezas, a ação permanente das massas junto às forças armadas alcançou o impensável: resgatar o presidente Hugo Chávez (1954-2013) e restaurar as instituições do país.
Nem mesmo o próprio Chávez acreditava que isso seria possível tão cedo, pois confessou ao congressista Ángel Rodríguez.
“Assim que nos encontramos após seu retorno, ele me abraçou e me disse, vou lhe dizer algo, pensei que isto ia durar mais tempo”, Rodríguez lembrou emocionalmente durante uma entrevista com a empresa de produção Alpargata Mediática.
A mobilização popular, a lealdade dos militares e as ações dos principais líderes do governo pagaram as intenções da oligarquia, que juntamente com a Igreja Católica, com o patrocínio dos Estados Unidos e a cumplicidade da mídia, prepararam e executaram o golpe de Estado. O governo de facto do presidente da Fedecámaras, Pedro Carmona, durou apenas 47 horas e tornou-se o mais curto da história da América Latina.
O povo, os protagonistas do governo de facto
Para analistas, historiadores e testemunhas do que aconteceu na Venezuela nos dias 11, 12 e 13 de abril, mesmo para aqueles que não apoiam o processo, não há dúvida de que o protagonista principal foi definitivamente o povo.
O analista político Fernando Rivera, que na época era membro do movimento estudantil M23 e participou dos eventos, disse ao Prensa Latina que a grande lição daqueles dias era a demonstração do poder das massas populares em processos revolucionários.
“Um povo mobilizado, casado com um projeto político, pode preservar a esperança da maioria, apesar da força da minoria. Este fato confirmou que a melhor garantia de vitória é a unidade”, enfatizou o pesquisador.
Por sua vez, Freddy Bernal, na época prefeito de Caracas, lembra como a partir da noite de 12 de abril, milhões de venezuelanos começaram a se mover e das colinas uma grande onda humana desceu em direção a Miraflores para defender seu presidente.
“A mobilização maciça e a ação leal da guarda de honra presidencial foi o que permitiu que o golpe de Estado fosse derrubado em tão pouco tempo. Não estava enganado, sempre soube que o povo seria o único a defender o processo”, enfatizou ele.
Da mesma forma – enfatizou – a ala direita estava ciente disso, e é por isso que eles tentaram o tempo todo silenciar os principais líderes de uma forma ou de outra, alguns deles prisioneiros, outros, como no meu caso, anunciaram que estávamos mortos.
“Imagine, eles me mataram três vezes. É claro, para tentar nos desmoralizar”, comenta Bernal ironicamente e sorri lembrando aqueles dias tensos em abril.
Eu sabia que eles estavam me procurando”, lembra-se, “mas também não podia deixar que eles nos tomassem por mortos, então liguei para o vice-presidente da RCTV e lhe disse que tinha visto a notícia, ‘este homem morto está vivo e quero que eles saibam disso’.
“Fui lá fora e havia três cordões de segurança das mesmas pessoas que me procuravam para me matar, deixei os meninos que estavam comigo e lhes disse para esperarem aqui, levantei-me e disse: ‘PERMISO’, ninguém me parou, fiz minha declaração lá, quando as pessoas me viram na televisão elas foram lá fora”, explicou ele. Bernal recorda aquele momento em que deixou a estação de televisão e milhares de pessoas estavam esperando por ele lá fora, “sem perceber, eles me carregaram, vamos a Miraflores, gritaram, um garoto alto, branco e ruivo me levantou nos ombros e me levou ao Palácio, com aquela grande massa de pessoas atrás de mim”.
Para o atual governador de Táchira, este processo marcou definitivamente o futuro histórico e político da Revolução.
Quando voltamos a Miraflores e conseguimos entrar no meio da multidão, já estávamos certos de que não haveria volta, “insisto que sempre acreditei no povo, mas nunca imaginei a magnitude da força popular, nem mesmo de Chávez”.
Quando chegamos, o presidente me abraçou e disse: “Freddy, eu lhe disse que o povo reagiria, mas não pensei que o fizessem em apenas algumas horas. Essas pessoas são ótimas, por isso não tenho escolha a não ser me entregar a elas.
13 de abril, a vitória definitiva
No sábado, 13 de abril, desde o início da manhã, apoiadores do Presidente Chávez iniciaram protestos por todo o país exigindo o retorno do presidente, que havia sido feito refém na base militar na ilha de La Orchila.
As principais rodovias que ligam Caracas ao leste e oeste do país foram bloqueadas por milhares de manifestantes que desceram espontaneamente dos bairros e colinas.
“Chávez, meu amigo, o povo está com você” e “Chávez não se demitiu, eles o sequestraram” foram os slogans que sacudiram as ruas e rodovias, milhões de pessoas em uma só voz exigiram a volta do chefe de Estado, mas apenas algumas estações de rádio transmitiram o que havia acontecido, e mais uma vez houve silêncio na mídia.
Enquanto isso, a emblemática 42ª Brigada de Infantaria de Pára-quedistas do Exército venezuelano, na cidade de Maracay, estado de Aragua, declarou sua adesão à ordem constitucional e ativou a Operação Resgate da Dignidade Nacional, juntamente com a Guarda Presidencial de Honra.
Vídeos feitos por alguns meios de comunicação mostram imagens dos golpistas fugindo em bandos da sede do Executivo, em face das massas.
Uma vez recuperado o Palácio Miraflores, o então vice-presidente, Diosdado Cabello, tomou posse como presidente provisório da Venezuela, de acordo com o artigo 234 da Constituição.
Finalmente, nas primeiras horas do dia 14 de abril, um comando militar resgatou Chávez em La Orchila e transportou o presidente para Miraflores, onde a multidão cantou: “Ele voltou, ele voltou, ele voltou, ele voltou!
O povo venezuelano acabava de realizar um feito heroico sem igual que marcou para sempre o desenvolvimento histórico da Revolução Bolivariana e o futuro político do país, consolidando a união civil-militar, que se tornou a maior força do processo bolivariano ao longo dos últimos 20 anos.