Ilustração: Ana Clara Moscatelli
José Carlos Teixeira*
“O sol há de brilhar mais uma vez
A luz há de chegar aos corações.”
(Juízo Final, samba de Nélson
Cavaquinho e Élcio Soares)
Uma questão vinha intrigando os observadores das manifestações públicas de preferências do eleitor durante a atual campanha eleitoral: apesar do alto grau de rivalidade estabelecido na disputa, desde cedo polarizada entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente Jair Bolsonaro, candidato à reeleição, uma grande parcela dos partidários de ambos tem evitado explicitar isoladamente de que lado da torcida estão situados.
Digo isoladamente, porque nas atividades coletivas, como as grandes manifestações que têm ocorrido em todo o país, eles estão lá, vestindo as suas cores, segurando as suas bandeiras, gritando suas palavras de ordem e entoando seus cantos.
Mas se a amável leitora prestar bem atenção, verá que, ao contrário de períodos eleitorais anteriores, é bem raro hoje encontrar pelas ruas uma eleitora ou um eleitor trazendo no peito um adesivo com o nome do seu candidato a presidente ou envergando orgulhosamente uma camiseta com referência a ele. Observe os carros no trânsito ao deslocar-se pela cidade, meu nobre leitor. Já não se vêm os vidros dos veículos ornados com os adesivos dos candidatos, como ocorria em passadas eleições.
Poucas horas antes de escrever este artigo, fui à Assembleia Legislativa. Deu para contar nas mãos o número de carros com os nomes de Lula e Bolsonaro que avistei ao longo dos 31 km que percorri entre a ida e a volta. No estacionamento da Assembleia, vi alguns veículos adesivados, mas quase todos apenas com nomes e números de candidatos a deputado.
O que mudou, que já não se vê, refletido nos adesivos pregados nos vidros dos veículos, aquele clima de um Ba-Vi disputado, mas apreciado com alegria e fair play, como ocorreu em campanhas eleitorais passadas?
A pesquisa “Violência e Democracia: panorama brasileiro pré-eleições de 2022”, feita pelo DataFolha, por encomenda do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e da Rede de Ação Política pela Sustentabilidade, recentemente divulgada, aponta as causas dessa mudança.
O levantamento revelou que 67,5% – ou seja, mais de dois terços – da população brasileira teme ser alvo de violência política nas eleições deste ano. Para ser exato: nada menos que 49,9% têm muito medo e 17,6% têm um pouco de medo de ser vítima de agressões físicas em razão de escolhas políticas ou partidárias. Apenas 32,5% dos entrevistados responderam que não tinham medo de sofrer agressões físicas.
A pesquisa também apurou o nível dessa violência de matriz política: 3,2% dos entrevistados declararam ter sido vítimas de ameaças por razões políticas – o que, em projeção na população, indica 5,3 milhões de brasileiros – e 0,8%, o equivalente a 1,4 milhão de brasileiros, se disseram vítimas de violência física pelo mesmo motivo.
Os dados da pesquisa permitem concluir que, no próximo domingo, dois em cada três brasileiros irão às urnas amedrontados, diante da escalada da violência política. E, infelizmente, com razão: uma busca no noticiário dos últimos dias revela um aumento dos casos de agressão e até mesmo homicídios em razão de escolhas políticas ou partidárias em várias regiões brasileiras.
Neste fim de semana, foram duas mortes. No sábado, em Cascavel, no Ceará, um homem esfaqueou e matou um eleitor de Lula em um bar, após ele se manifestar como apoiador do petista. Na mesma noite, em Rio do Sul, Santa Catarina, em meio a uma discussão por motivos políticos, outro homem foi também esfaqueado, chegou a ser socorrido, mas acabou morrendo no hospital, no dia seguinte.
Como se vê, esse medo que atormenta os eleitores não está descolado da realidade. Ele é consequência de um clima de ódio político que se instalou desde o início da década passada, quando o país foi dividido entre “nós” e “eles”, e que, renovado, impede que as pessoas exerçam livremente sua cidadania.
Mas, não obstante essa espiral de medo, o estudo trouxe um dado promissor: o apoio maciço da população à democracia. Nada menos que 90% dos entrevistados defendem que o candidato que vencer as eleições nas urnas deve tomar posse em 1º de janeiro e 89,3% concordam que é essencial para a democracia que o povo escolha seus líderes em eleições livres e transparentes.
É com esse sentimento, de esperança e confiança na democracia, que deveremos ir às urnas no próximo domingo.
E como hoje é o dia deles, viva os ibêjis, os santos meninos! Viva Cosme e Damião!
*José Carlos Teixeira é jornalista, graduado em comunicação social pela Universidade Federal da Bahia e pós-graduado em marketing político pela Universidade Católica do Salvador.