Emiliano José*
A Ilha é vítima do terrorismo, organizado, financiado e executado pelos EUA. Nenhum sinal de mudança quanto a isso vindo de Washington
Cuba e as constâncias do Império americano. Uma delas, Guantánamo. Nascida no alvorecer do século 20 é uma espécie de símbolo do terrorismo norte-americano e da atitude de tutela de outras nações. O Império quis, com tal prisão em solo cubano, no contexto da libertação de Cuba do domínio espanhol, dizer “tudo bem, que sea, pero nosotros continuamos a mandar”.
Foi assim até a Revolução de 1959, até o surgimento de furação Fidel Castro, a provocar mudança essencial nas relações entre os EUA e a Ilha, tornada socialista desde então. Mas apesar da revolução, Guantánamo continua lá, e são fartas as revelações de torturas bárbaras dos prisioneiros sob a guarda do Império naquela masmorra, sem que os EUA se movam para desocupar território cubano.
A outra constância, desde o início da Revolução de 1959, é o bloqueio econômico americano. Não importa a troca de guarda. Não importa sob qual Presidência, desde a chegada de Fidel Castro, e especialmente após ele ter feito a opção pelo socialismo, o Império resolveu desenvolver uma política criminosa, tentando de todos os modos sangrar o povo cubano. Autêntico terrorismo contra uma pequena nação, ousada e soberana.
Esses dias, participei de uma excelente discussão sobre o programa econômico-social de Biden, a partir de uma exposição de José Sérgio Gabrielli de Azevedo. É uma iniciativa ousada, ainda a depender de aprovação pelo Congresso americano. Há elementos inovadores, no plano social e econômico, distribuição de renda, taxação dos mais ricos, preocupação com os mais pobres, política de cuidados. Pra prestar atenção. Mas, um olho no padre, outro na missa. Um olho no peixe, outro no gato.
Temos de estar atentos aos movimentos do capitalismo norte-americano, disposto, por posicionamentos de Biden de distanciamento do neoliberalismo clássico, a um fortalecimento do Estado e afastamento do laissez-faire. Isso de alguma forma implicará mudanças, sob alguns aspectos, nas suas relações com outros países, principalmente os periféricos sob lideranças de extrema-direita, como o caso brasileiro.
Embora, haja nesse momento uma atitude por parte de Biden a avizinhar-se da complacência com o governo Bolsonaro, especialmente por conta do crescimento de Lula nas pesquisas – preferem qualquer negacionista ao metalúrgico, nisso não alimentam dúvidas.
Quero insistir aqui no crime representado pelo bloqueio. Não houve pausa nunca, desde iniciado. Nenhum presidente, nem os mais avançados, nem um Obama, foram capazes de modificar seja a presença de Guantánamo em solo americano, seja o bloqueio. Têm sido cláusulas pétreas do Império. Nunca houve sequer flexibilizações. A decadência, a evidência do avanço chinês, o grande fantasma americano atual, longe de arrefecerem o endurecimento quanto a esses dois aspectos, parecem reforçá-los.
Não se diga seja o bloqueio destinado a prevenir qualquer risco para o Império. Estamos falando de uma pequena nação, com pouco mais de 11 milhões de habitantes, população menor do que a da minha Bahia. A pretensão americana é de fato sufocar, estrangular, inviabilizar Cuba, não permitir sua sobrevivência como exemplo de nação socialista para outros países do mundo.
Tenta com tal política esmagar um exemplo de rebeldia. Mas trata-se de uma nação teimosa: desde 1959 resiste à arrogância dos EUA. Derrotou-os quando da tentativa da invasão da Baía dos Porcos em 1961. Sofreram então humilhante derrota. Sobreviveu a tantos outros atentados terroristas. Como admitir isso aos olhos do mundo, como deixar de pé um povo de tanta coragem? E além do mais, insistindo no socialismo. Imperdoável.
Até hoje o povo cubano permaneceu de pé, não obstante as enormes dificuldades provocadas pelo bloqueio.
Arrisco dizer, com alguma convicção, e as provas estão à disposição ao longo da história: todo presidente americano está submetido ao Deep State, ao complexo industrial-militar, às grandes empresas monopolistas, as industriais e as do capital financeiro. Há as cláusulas pétreas, e todos os presidentes se ajoelham diante delas. Claro, seria equivocado dizer não tenha cada um seu raio de manobra, iniciativas singulares, e as de Joe Biden, agora, como dito no início, revelam isso.
Tais iniciativas não podem ser ignoradas por conta do impacto que causam nos planos políticos e econômicos. Há teóricos a pretender sejam todos iguais. Não são. Há, no entanto, o núcleo duro do Deep State, aqui sobretudo o complexo industrial-militar, a dizer, e nem precisa dizer, até onde cada um pode ir. Essa espécie de espectro silencioso, às vezes nem tanto, paira sobre todos os presidentes, sem exceção. Quanto ao bloqueio contra Cuba, nenhum mexe uma palha. Desculpem: em algumas ocasiões, nessas décadas, agrava-o, pode mexer mais de uma palha.
E há uma manifesta crueldade, se podemos lidar com essa ideia sob a política do Império. Adota-se sempre para a Ilha a política do big stick. Ontem, na era Trump, do total de decisões anticubanas, 55 delas foram impostas já sob a peste, sob o Covid-19. Além de queda, coice.
Raciocina-se, assim, friamente: se Cuba vive dificuldades, vamos agravá-las, não importa o quanto sofra o povo. Melhor: é bom o agravamento das dificuldades porque isso será atribuído ao governo de Cuba, e sobrevirá a agitação, o inconformismo. Tentam isso há mais de sessenta anos, sem recuo do povo cubano, cujo sentimento nacional, cuja noção de soberania jamais foram arrefecidos.
O presidente de Cuba, Miguel Díaz-Canel, tem toda razão ao caracterizar o bloqueio econômico, comercial e financeiro contra Cuba como a afronta mais longa contra os direitos humanos de um povo. Constitui, pelos seus efeitos, um crime contra a humanidade. Há um conjunto de crimes do Império contra Cuba. Por exemplo: a reinclusão do país na “lista espúria e arbitrária do Departamento de Estado sobre países que supostamente patrocinam o terrorismo”, conforme Díaz-Canel.
Cuba, isso sim, é vítima do terrorismo, organizado, financiado e executado pelos EUA, ainda na correta visão do atual presidente cubano. Nenhum sinal de mudança quanto a isso vindo da administração Joe Biden. Cuba pergunta se o atual governo compartilha da visão trumpista, e parece inegável a resposta positiva. Quando dos cem dias da administração Joe Biden, o embaixador cubano em Washington, José Ramón Cabañas, dizia estar muito atrasada a decisão de retirar o pequeno país das Antilhas da lista de nações acusadas de terrorismo.
Biden, na linha de manutenção dessa política perversa, afirmou: “Cuba não é prioridade”. “Por que, não sendo prioridade, o governo de Washington gasta milhões de dólares tentando subverter a ordem constitucional de Cuba?” – pergunta Díaz-Canel, durante o Congresso do Partido Comunista Cubano, em abril.
O Império prefere pagar o preço de um impressionante isolamento internacional a modificar sua política. Na ONU e em vários fóruns internacionais há uma quase unanimidade na condenação ao bloqueio, a essa guerra econômica cruel e incessante desenvolvida durante mais de 60 anos. Por que insiste em manter uma política moral e juridicamente insustentável? Por exigência do Deep State, ao menos dos falcões, porque há uma parte a desejar flexibilização, até em nome dos negócios. Cuba não se fecha a investimentos estrangeiros, salvo na educação, saúde e defesa.
Cuba defende, insiste, em ter relações com os EUA fundadas na igualdade, no respeito mútuo, e sem interferências. Aceita cooperar com Washington em várias políticas, em defesa do meio ambiente, pela sobrevivência do planeta. Em favor da saúde dos povos do mundo, inclusive na luta contra a Covid-19. Na promoção dos direitos humanos, em questões de imigração. Apesar disso, até agora Joe Biden não dá qualquer sinal de mudança na política. Para Cuba, de parte dos EUA, continua a valer o dito e praticado por Trump: esmagar Cuba, fazê-la sofrer mais e mais. Até o Império ser obrigado a modificar seu rumo, o que não parece estar próximo ainda, apesar de seu isolamento político. Infelizmente.