Sputnik – A Sputnik Brasil conversou com Gúnther Rudzit, professor de relações internacionais da ESPM-SP, para saber sobre as chances de o impasse sobre o acordo nuclear entre os EUA e o Irã ser resolvido em nova rodada de negociações.
As negociações para o acordo nuclear do Irã foram retomadas, depois de um bloqueio de cinco meses, com os negociadores da Rússia, China, França, Alemanha e Reino Unido chegando a um consenso com líderes iranianos em Viena, Áustria.
Para o professor de relações internacionais da ESPM-SP e coordenador do núcleo de estudos e negócios em Oriente Médio, Gúnther Rudzit, a retirada dos EUA do acordo nuclear iraniano em 2018 deve-se única e exclusivamente à decisão pessoal do ex-presidente dos EUA, Donald Trump, já que na época, tanto os diplomatas quanto os militares americanos, foram contra a retirada, alegando que isso prejudicaria mais os interesses americanos do que traria benefícios.
De acordo com o especialista, Trump tinha o intuito de tentar desfazer vários dos programas e acordos que o ex-presidente Barack Obama tinha feito, não apenas com o Irã, como também em termos de política interna dos EUA, ou seja, a saída se deve a uma campanha de Trump contra a imagem de Obama.
Posicionamento do governo Biden em relação ao acordo nuclear
Os negociadores do Irã estão na Europa, na sexta rodada de negociações com representantes dos governos europeus e da Rússia, não havendo uma negociação direta entre iranianos e americanos.
Para o especialista, o presidente Biden tem o interesse em voltar ao acordo, principalmente por dois grandes motivos, sendo eles a tentativa de evitar uma corrida nuclear na região e evitar que Israel realize um ataque contra o Irã em uma tentativa de evitar que o programa nuclear iraniano consiga desenvolver, de fato, um artefato nuclear, o que seria muito ruim para a estabilidade econômica e geopolítica, não apenas da região, como do mundo como um todo.
Chance de o impasse ser resolvido e papel da Rússia na negociação
Segundo o professor, há chance de impasse ser resolvido, pois a resolução é de interesse de todos os envolvidos, sendo reestabelecido principalmente entre EUA e Irã, pois os países europeus não se retiraram do acordo, bem como a Rússia e a China.
“Os americanos foram os únicos que se retiraram deste acordo. Não é de interesse de ninguém ter essa corrida nuclear na região. Não interessa à Rússia, porque isso criaria uma instabilidade na sua fronteira sul e principalmente na Ásia Central, que a Rússia enxerga como exterior próximo, como naturalmente sua área de influência. E até mesmo isso levaria ao fortalecimento do Irã, ao aumento da influência iraniana na Ásia Central, que não interessa a Moscou […]”, explicou.
“Assim como da própria China, que ainda depende muito do petróleo, não só do Irã, mas também da Arábia Saudita, e que, portanto, não quer ver uma escalada repentina do preço do petróleo. Então [o acordo] é de interesse de todos, até mesmo do próprio Irã, de ver suas sanções retiradas e poderem voltar a crescer no momento em que os efeitos da pandemia ainda são sentidos”, afirmou o especialista.
E, por conta disso, o professor entende que o acordo seja possível e que o papel da Rússia neste processo seja fundamental, por ser o aliado mais próximo de Teerã.
Denúncias de enriquecimento de urânio pelo Irã
Com relação às denúncias de enriquecimento de urânio por parte do Irã para fabricação de armas nucleares, o especialista diz acreditar que haja um enriquecimento de urânio acima do limite estabelecido anteriormente nos acordos.
“Isso é até uma estratégia de negociação iraniana. Porque se interessa ao Irã voltar à negociação, e sabe que o presidente Joe Biden também quer isso, quer que se estabeleça um certo equilíbrio e paz na região para ele, finalmente, voltar a concentrar as atenções norte-americanas na região do Indo-Pacífico, e principalmente na região do Pacífico, que desde a presidência Obama já foi chamada de “pivô para a Ásia”, explicou.
Justamente sabendo sobre o interesse americano de se desengajar de uma grande e constante presença, e principalmente na região do Golfo, para transferir todos esses equipamentos e militares para a área do Pacífico Ocidental, é que o Irã tem pressionado para melhorar a sua posição em uma negociação com os EUA.
Para o especialista, o governo iraniano sabe que se chegar ao limite de desenvolver uma arma nuclear, o país será atacado, se não for pelo governo americano será pelo governo israelense, que nos últimos meses vem aumentando o treinamento de sua Força Aérea e novos equipamentos que seriam capazes de destruir localidades subterrâneas, esse é “um jogo bastante perigoso, mas dentro da lógica de negociação” do Irã.
Tensões entre Irã e Israel
O Irã é visto como a maior ameaça à existência de Israel e, como já foi dito por várias autoridades israelenses, o país não admitirá que o Irã tenha uma bomba atômica, pois o governo iraniano por diversas vezes definiu Israel como seu inimigo número um, com retóricas muito contundentes contra Israel.
Por conta disso, os israelenses vêm se preparando para essa possibilidade de um ataque aéreo às instalações nucleares iranianas e, certamente, o governo iraniano leva essa ameaça muito a sério, ressaltou o professor.
Papel da União Europeia no acordo nuclear iraniano
Desde o início da pressão norte-americana, a Europa não “caiu de cabeça” contra o Irã por depender fundamentalmente do petróleo iraniano.
“Vários governos da Europa dependiam quase que exclusivamente do fornecimento iraniano. Contudo, com novas evidências que foram surgindo no final dos anos 2000, os governos europeus aceitaram e tiveram que, aos poucos, buscar outros fornecedores alternativos ao Irã. Quando os governos europeus colocaram o embargo ao petróleo iraniano, isso fez com que o Irã voltasse à mesa de negociações”, declarou.
Gúnther Rudzit destacou que os governos europeus acreditavam que romper de vez com o Irã afastaria o país islâmico de qualquer negociação, e a dinâmica entraria em uma espiral de tensão que poderia levar a um conflito.
Acordo nuclear deve ser firmado em 2022?
De acordo com o professor, ainda não é possível afirmar que haverá um acordo em 2022, pois há muitas dinâmicas, não só de política internacional como internas, em jogo.
Além disso, o especialista acha que com o novo presidente iraniano, considerado “linha-dura”, o retorno ao acordo nuclear por parte do Irã não deverá ser tão fácil.
“Há uma preocupação, principalmente dos clérigos, dos religiosos, que têm a palavra final no Irã. Todos esses acordos e negociações não ocorrem sem o consentimento do aiatolá Khamenei. O grande medo de Khamenei e de seus líderes religiosos é que haja uma revolta muito grande dos jovens contra o regime iraniano”, explicou.
O professor observou que há um grande receio no país de que se a situação econômica não melhorar, principalmente o desemprego entre os jovens, isso pode levar a uma insatisfação e uma contestação ao próprio regime.
Reação da população iraniana
É preciso entender que a cultura iraniana é uma cultura muito antiga, forte, orgulhosa de seu passado, e a população como um todo não aceita se subordinar aos interesses americanos, que há ainda lembranças na cultura iraniana da intervenção americana na política do país, principalmente nos anos 1950, quando um golpe foi articulado pela CIA e MI6 britânica.
Dessa forma, a população iraniana apoia o governo nesse endurecimento e em não aceitar qualquer coisa dos EUA. Por outro lado, há uma situação muito ruim em relação à economia iraniana devido às sanções econômicas e inflação global.