Pepe Escobar, Strategic Culture Foundation
A encenação alcançou ponto quase sem precedentes em termos diplomáticos: o ministro Sergey Lavrov de Relações Exteriores da Rússia perdeu a proverbial paciência taoísta.
A histeria norte-americana em torno da “iminente” invasão russa da Ucrânia explodiu todos os aparelhos para aferir estupidez geopolítica – o que não é pouco.
Que estrago! Setores do Departamento de Estado dos EUA estão em aberta revolta contra o combo que opera o controle remoto que movimenta o Boneco de Teste para Efeitos de Colisão Frontal que faz atualmente ocupa o cargo de Presidente dos Estados Unidos. O eixo neocon-neoliberal comicha de tanta vontade de guerra – mas não tem ideia de como vender mais guerra a uma opinião pública muito profundamente fraturada.
Reino Unido & EUA (ing. UKUS), que controlam de fato a escória dos escroques da espionagem dos “Cinco Olhos”, só entendem de propaganda. Assim sendo, acelerar ad infinitum o Medo e o Ódio é tarefa do eixo CIA & MI6 de inteligência e de sua vasta rede de chihuahuas midiáticos.
A think-tank-elândia norte-americana russofóbica muito apreciaria uma “invasão” russa, sem mais nem menos, saída do nada, e pouco se incomodaria com a inevitável surra que a Ucrânia levaria. O problema é que a Casa Branca – e o Pentágono – têm inevitavelmente de “intervir”; sem intervenção, a coisa toda implicará catastrófica perda de “credibilidade” do Império.
Mas… O que quer essa gente? Querem provocar Moscou por todos os meios imagináveis para que haja uma “agressão russa” que, rápida como raio levaria à guerra a qual seria, para a Ucrânia, como autopista direta ao inferno… com zero baixas do lado da OTAN e do Pentágono.
Aí então, o Império do Caos culpará a Rússia; despejará um tsunami de novas sanções, especialmente financeiras; e tentará cortar todos os laços econômicos entre a Rússia e o OTANstão .
A realidade diz que nada do que acima se comenta acontecerá.
Todos os mais altos líderes russos, a começar pelo presidente Putin, já disseram e repetiram várias vezes o que acontece se os ucro-dementes começarem um blitzkrieg na disputa pelo Donbass: a Ucrânia será esmagada sem piedade – e isso não se aplica só à gangue etno-fascista em Kiev. A Ucrânia deixará de existir como estado.
Shoigu, ministro da Defesa da Rússia, por sua vez, encenou todas as modalidades de persuasão não exatamente soft, exibindo bombardeiros Tu-22M3 ou Tu-160 “Cisne Branco”.
O inestimável Andrei Martyanov explicou conclusivamente várias e várias vezes, que “a OTAN não tem forças sequer para ‘contra-atacar’ algo que a Rússia faça; tampouco tem meios para combater uma guerra contra a Rússia.”
Martyanov observa que:
“não há arma no arsenal dos EUA, hoje ou em futuro previsível, capaz de interceptar alvos Mach=9-10+, muito menos alvos M=20-27. Eis a questão. O mesmo método analítico aplica-se a situação de “erro 404” [código para “recurso inexistente”]. Única coisa que EUA (OTAN) podem ter esperança de conseguir é de algum modo provocar a tal ponto, que a Rússia seja arrastada a invadir aquela latrina em forma de país; e então arrancar toda a SIGINT [inteligência de sinais] que possam, a partir do instante em que as soluções de Comando, Controle, Comunicações, Computadores, Inteligência, Vigilância e Reconhecimento [ing. Command, Control, Communications, Computers, Intelligence, Surveillance and Reconnaissance, C4ISR] entrem em modo pleno de combate.”
Tradução: qualquer coisa que o Império do Caos e sua subsidiária OTAN tentarem no Donbass, direta ou indiretamente, a humilhação será de tal ordem que fará a ‘retirada’ do Afeganistão parecer um jantar de gala da House of Gucci.
Ninguém deve esperar que descerebrados fantoches da OTAN – a começar pelo secretário-geral Stoltenberg – compreendam os riscos militares. Afinal, são sempre os mesmos fantoches que insistem em criar uma situação que pode acabar por deixar Moscou diante de uma única e clara escolha: combater guerra quente em escala total na Europa – a qual num instante pode virar nuclear. E os russos já estão em prontidão.
Tudo gira em torno de Minsk
Numa realidade paralela, “intrometer-se em caso de 404” – deliciosa referência de Martyanov a um poço infernal que é pouco mais que um erro de computador – é história completamente diferente. Isso, sim, se enquadra à perfeição no ethos norte-americano ‘jovem’.
Pelo menos alguns adultos, em raros e seletos ambientes, estão falando. O [William Joseph] Burns da CIA foi a Moscou para tentar extrair alguma garantia de que, no caso de as Forças Especiais da OTAN serão autorizadas a fugir, no caso de serem capturadas nos caldeirões – à moda Debaltsevo 2015 – que as Repúblicas Populares de Donetsk e Lugansk, com ajuda russa, prepararão.
Patrushev, com quem Burns ‘conversou’, mandou-o tomar vergonha na cara – diplomaticamente falando.
O Comandante do Estado-maior da Forças da Rússia, general Valery Gerasimov, falou por telefone com o Chefe das Forças Conjuntas, general Mark Milley, para ostensivamente garantir, em pentagonês, “redução de riscos e deconflitação operacional” [ing. “risk-reduction and operational de-confliction”. Nenhum detalhe substancial vazou.
Ainda não se sabe como a tal “deconflitação” acontecerá na prática, depois de o ministro da Defesa da Rússia, general Shoigu ter revelado que bombardeiros com capacidade nuclear dos EUA estiveram ‘exercitando’ nas andanças pela Europa Oriental, “a habilidade para usar armas atômicas contra a Rússia”. Shoigu discutiu esse aspecto, em detalhes, com o ministro da Defesa da China Wei Fenghe: afinal, os norte-americanos usarão o mesmo golpe, com absoluta certeza, contra a China.
A causa raiz de todo esse drama é clara: Kiev simplesmente se recusa a obedecer ao disposto no Acordo de Minsk, de fevereiro de 2015.
Dito em poucas palavras, o acordo determina que Kiev assegure autonomia ao Donbass – “status especial” a ser declarado por emenda constitucional; que declararia anistia geral; e iniciaria um diálogo com as Repúblicas Populares de Donetsk e Lugansk.
Ao longo dos anos, Kiev cumpriu exatamente zero dos compromissos que assumiu – enquanto a proverbial máquina de ‘comunicação’ do OTANstão enchia a opinião pública com fake news [“notícias forjadas”], sempre a repetir que a Rússia estaria violando Minsk. A Rússia sequer é mencionada no texto do acordo!
Moscou de fato sempre respeitou o Acordo de Minsk – dado que sempre tratou o Donbass como parte autônoma da Ucrânia. Moscou tem interesse zero em promover ‘mudança de regime’ em Kiev.
A encenação alcançou ponto quase sem precedentes em termos diplomáticos: o ministro Sergey Lavrov de Relações Exteriores da Rússia perdeu a proverbial paciência taoísta.
Naquelas circunstâncias, Lavrov foi forçado a publicar 28 páginas de correspondência entre Moscou de um lado, e de outro, Berlim e Paris, em torno dos preparativos de um encontro de alto nível sobre a Ucrânia.
Moscou queria, de fato, que se implementasse um dos pontos centrais do acordo: diálogo direto entre Kiev e Donbass. Berlim e Paris declararam tal encontro inaceitável. Assim sendo, claro: Berlim e Paris destruíram, para todas as finalidades práticas, o Acordo de Minsk. No OTANstão, a opinião pública não tem nem ideia de que isso aconteceu.
Lavrov falou duro: “Tenho certeza de que os senhores compreendem a necessidade desse passo não convencional, porque é imperioso levar à comunidade internacional a verdade sobre quem está cumprindo, e como, os próprios compromissos, nos termos da lei internacional, e compromissos assumidos no mais alto nível.”
Não surpreende portanto que a liderança em Moscou tenha concluído que é completa perda de tempo conversar com Berlim e Paris sobre a Ucrânia: o pessoal ali mentiu e traiu – e, em seguida, culpou a Rússia. Essa “decisão” no nível da União Europeia reproduz exatamente a campanha da OTAN, de soprar as brasas de uma “iminente agressão russa” à Ucrânia.
Guerreiros de sofá, uni-vos!
Por todo o OTANstão, reina, invencível a estupidez marca registrada da Think-tankelândia norte-americana, congregando incontáveis acólitos que cospem as fórmulas que escolhem para as manchetes: “incansável subversão russa”, Putin “o bandido”, a “intimidação” que Putin tenta contra a Ucrânia, russos “predadores” e tudo isso atualmente combinado à “guerra que a China faminta de poder move contra valores ocidentais”.
‘Analista’ britânico, por via distorcida, realmente deu conta de resumir bem a impotência e a insignificância geral, pintando a Europa como vítima: “uma ilha democrática a sitiada num mundo anárquico e que uma maré montante de autoritarismo, impunidade e desrespeito às regras internacionais ameaça inundar”.
A resposta dos ministros da Defesa do OTANstão é uma Bússola Estratégica (Strategic Compass), na essência, puro lixo anti-Rússia-China – completada com “forças de rápido deslocamento”. Comandadas por quem, general Macron?
No ponto em que estão as coisas, o infeliz OTANstão chora incontrolavelmente, acusando aqueles vândalos russos – “monstros assustadores” [ing. scary monsters], para citar David Bowie – de encenarem testes com míssil antissatélites, e zombarem das preocupações dos europeus com segurança”.
Algo perdeu-se na tradução. Então… eis o que aconteceu: a Rússia demonstrou conclusivamente que é capaz de obliterar cada um e todos os satélites da OTAN e de cegar “todos os seus mísseis, aviões e navios, para nem falar de forças em terra”, caso decidam materializar suas ideias beligerantes.
Obviamente, aqueles palhaços guerreiros de sofá do OTANstão, surdos, cegos e mudos – nem bem saídos do tal “desempenho” afegão – não captarão a mensagem. Sem novidades: o OTANstão jamais foi acusado de pender a favor da realidade.